Advocacia humanitária, por que não?

“O problema mais grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, más sim o de protegê-los. (…) Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”. (Noberto Bobbio, A Era dos Direitos).”

O estudo dos direitos humanos realizado a partir de sua evolução e implementação histórica nos revela que a proteção humanitária e, até mesmo os princípios mais basilares civilizatórios da humanidade, encontram-se marcados por avanços e retrocessos.

É dizer, inexistem direitos humanos definitivamente conquistados, prontos e acabados, sendo que os tais exigem da própria sociedade sua perene manutenção.

Não apenas nesse hiato, pode-se afirmar que a inércia na efetivação da proteção humanitária equivale à involução daquilo que fora, aparentemente, “conquistado”.

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Pensar que as mais graves violações aos direitos humanos constituem marcas de um passado infortúnio e remoto é subestimar o poder degenerativo do próprio ser humano e limitar-se a enxergar a realidade social apenas com os olhos do presente tempo.

Dessa maneira, necessidade de apresentar novas abordagens da proteção humanitária, mostra-se imperiosa na medida em que, a história pode ser reescrita e, as violações que um dia foram consideradas aberrações civilizatórias poderão então, ser legitimadas ou, ao menos, justificadas, pelo pensamento hegemônico de determinado período.

O primeiro questionamento que ora se propõe diz respeito ao papel do Estado enquanto curador único dos direitos do ser humano.

Partindo-se da premissa que, das inúmeras violações aos direitos fundamentais, grande parte delas são provocadas pelo próprio Estado, questiona-se: De que maneira haverá efetiva proteção dos direitos fundamentais se, diante das violações, o mesmo Estado violador se apresenta como protetor único?

É fato incontroverso que, intrinsecamente ligadas às ameaças e violações aos direitos humanos encontram-se as ilicitudes propulsionadas pelo próprio poder estatal. Cláudia Silva Ferreira[1] e Rafael Braga[2] são amostras microscópicas de um universo formado por ofensas à pessoa humana cujo ofensor é o próprio Estado Brasileiro.

A situação torna-se ainda mais crítica quando tais injustiças são perpetradas pelos órgãos julgadores[3]do Poder Judiciário ou por aqueles investidos do ônus de zelar pela proteção e defesa dos direitos humanos.

Revela-se, portanto, imprescindível a busca por alternativas eficazes na proteção dos direitos humanos que não se restringem apenas à atuação estatal.

Propõe-se, assim, a consolidação de uma advocacia humanitária, a qual, então, já se mostra realidade nas práticas internacionais, cujo objetivo precípuo é posicionar-se no mesmo patamar que outras instituições integrantes do Estado Democrático de Direito, sendo investida dos mesmos ônus protetivos das instituições estatais e contribuindo para que enfim haja o fortalecimento social frente às injustiças perpetadas pelo Estado.

A experiência internacional poderá enfim, nos servir de inspiração para implementação de uma perspectiva humanitária da advocacia pátria.

Cite-se como exemplo, a realidade chinesa, na qual os advogados face a um regime totalitário não liberal, empreendem um marcante papel nas instituições ali estabelecidas:

“The lawyers at the centre of this book represent a small number – probably fewer than one in a thousand lincesed lawyers in China; and of these 200 or so (in absolute numbers) a significant number have already been barred from practicing (…) They themselves are at constant risk of being detained, harassed and abused. Yet they play a pivotal role in China’s legal practice and in political resistence against its current Party-State system.

The advocacy show that although the Party-State is organized in Leninist principles, the system cannot be understood without attention to the rights and law ar of abiding appeal in China today. An account of their efforts therefore not olnly affects the evaluations of China’s legal and political system, but also allows us to access domestic advocacy’s challenges to transactional civil society and international human rigths diplomacy from new critical angles” (PIL Eva. China’s Human Right Lawyers: Advocacy and Resistence. Routledge. 2015. New York)”

Nesse sentido, em que pese a constatação de regimes políticos diversos, pode-se afirmar assim, que há identidade entre as crises humanitárias internacionais e as graves violações dos direitos humanos no Brasil, tal paralelo trás por consequência a possibilidade de adequação dos exemplos internacionais de proteção dentro da delicada realidade brasileira,fato este que poderá resultar na provocação da mudança de perspectiva tanto do papel do Estado formalmente constituído, como também, do próprio advogado brasileiro.

Trazer a advocacia para o campo da proteção dos seres humanos é então, materializar os mais caros princípios liberais do Estado Democrático e Constitucional de Direito culminando assim, na autonomia protetiva do próprio indivíduo face ao Estado constituído seja ele de qual regime for.

[1] Viatura da PM arrasta mulher por rua da Zona Norte do Rio (https://extra.globo.com/casos-de-policia/viatura-da-pm-arrasta-mulher-por-rua-da-zona-norte-do-rio-veja-video-11896179.html);

[2] Morador de rua é condenado a 5 anos de prisão por carregar pinho sol e água sanitária (https://www.cartacapital.com.br/sociedade/morador-de-ruaecondenadoa5-anos-de-prisão-por-carregar-pinho-soleagua-sanitaria-7182.html)

[3]Só para exemplificar, o caso de Lidianyque fora colocada numa cela com aproximadamente 20 homens por cerca de 26 dias, sob a anuência da juíza Calrice Maria de Andrade. Disponível em: https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/574009147/estupro-carcerarioodrama-de-lidi…

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